Faz aproximadamente dois anos que retornei da Nova Zelândia e ainda me recupero da síndrome do regresso. Dois anos! Segundo os estudos da psicologia, é o prazo que leva para a pessoa voltar a se sentir adaptada depois da volta ao seu país de origem. Coincidência ou não me sinto melhor, apesar de ainda parecer que foi ontem. Fiquei perguntando diariamente o porquê disso, como essa experiência pode ser tão forte a ponto de marcar tanto a vida de uma pessoa. A resposta é complexa. E como é meu trabalho simplificar, farei isso agora. Vamos? Bora.

Antes, deixo minha definição da Síndrome do Regresso. Por minha própria experiência, entendi que a Síndrome do Regresso é uma desordem, um baque, um tilt psicológico que acontece quando uma pessoa deixa de viver no local onde se sente livre e volta a viver onde vivia antes em “liberdade condicional”. O Brasil é um país onde a maioria de nós vive uma liberdade assim, condicional. 

Durante esse tempo, desde quando voltei, saí de casa poucas vezes, visitei poucos amigos. Só fiz contato pela internet. Evitei muitos encontros, não compareci a eventos e recusei um monte de convites. Deixei de responder as pessoas, até mesmo as deixando no vácuo. Fiquei isolado em casa na maioria do tempo. Acho que varri a internet inteira a procura de conteúdos sobre a Nova Zelândia. Me debrucei intensamente na busca de respostas. Durante todo esse período agi pouco, e fora da rotina do mundo normal deu para refletir muito. Fiquei bastante indisponível, digamos assim. Isso porque é terrível confinar sua mente em um espaço onde não a cabe mais. Mas como assim, Rica? Explico.

Lembra da frase do Einstein que diz que uma mente que se expande e etc e tal? Uma viagem de intercâmbio internacional expande a sua consciência, como na frase do cientista da relatividade. E depois de aumentada de tamanho, ela entrará em conflito com ambientes, lugares, situações ou pessoas que não consigam receber adequadamente seu tamanho. Tudo vai parecer sem graça para você, antagônico a sua nova capacidade de perceber as coisas. Entender de verdade o que se passa com pessoas que tiveram esse tipo de experiência não é fácil. É complexo e têm várias nuances particulares. Cada pessoa vai ter sua experiência única, dependendo do destino que escolheu, quem ela é e, principalmente, de como se sente em relação ao mundo e à vida. E mais! Muitos vão achar que você agora “se acha”. E mal sabem eles que, na verdade, você esteve mais perdido do que nunca. 

Percebi que estava com a tal síndrome do regresso ao pesquisar soluções para minha eterna saudade de morar no outro país. Como mencionei no texto sobre o autoconhecimento que salva, cheguei a ter episódios de ansiedade, depressão e ataques de pânico. Pensei que estava com todas estas coisas que nos fazem questionar nossa “sanidade mental” (pausa para Krishnamurti: “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente.”). Pode ser que você ache que está com alguma dessas coisas depois que voltou de um intercâmbio que foi incrível. Mas não, provavelmente não. Ou melhor, você pode até ter alguma dessas desorganizações mentais, só que... se for devido a uma síndrome do regresso a própria síndrome pode ser a resposta e a cura para o que vem passando. Vou te dizer porque pode ser.

A origem da síndrome pode ser a falta de uma origem

A minha história foi a seguinte. Tenho insatisfação com o estilo de vida brasileiro desde o momento em que nasci. Pois, desde que me entendo por gente pensante, nunca me conformei com o atraso, a concorrência entre as pessoas, o jeitinho, a ganância, a inveja etc e todo esse papo chato de que tanto reclamamos do Brasil. Já nasci com o título de prodígio pela equivocada crença de ser mais inteligente pela descendência japonesa. Acredite, tem muito descendente de japonês no Brasil que foi cobrado a vida inteira para ser o mais isso, o mais aquilo, o matemático, o disciplinado e tudo mais. E além de tudo, no aspecto espiritual, sentia que era um empata, mas não tinha consciência de nada disso. O fato é que sonhava com um jeito fluído de viver a vida, e não em estado de alerta o tempo todo. Se buscarmos em nossa história o que mais se destaca é a colonização traumática regada ao jeitinho brasileiro. Há um sentimento de desorgulho embotado em nossa origem. Talvez por isso amamos o país somente em suas possibilidades de “ganho certeiro”, como na Copa do Mundo, por exemplo.

O modo fluído de viver

Modo fluído de viver é o modo de vida com o que todos nós nascemos. Crescemos naturalmente sem medo e sensação de escassez. Ao longo do tempo somos contaminados com o medo e a crença de que não há o suficiente para todos. Nos tornamos retraídos e competidores, criando uma luta sem fim no mercado da vida. A partir disso começamos a viver no modo alerta, nos preparando para nos defender e acumular as coisas. O Brasil é um país onde nós somos regidos pelo “modo alerta”. As pessoas pensam que falta água, riquezas, recursos e vivem sob guerra psicológica entre governo e população. O governo é um dos principais defensores da escassez, diga-se de passagem. Também adquirimos o hábito feio de competir uns com os outros, chegando ao ponto de transformar torcidas de futebol em gangues criminosas. Inúmeras questões sobre este tópico poderiam ser consideradas aqui. Para resumir vou chamar nosso Brasilzão apenas de país aluno, um país que tem muito ainda para aprender. Mas o que tem isso a ver com a síndrome do regresso?

A vida digna lá fora passa para dentro

Depois de viver sob essa pressão e ser inconformado com a situação, surge a vontade de morar em outro país justamente para ter uma vida mais digna em todos os aspectos. A Nova Zelândia surgiu para mim como uma alternativa excelente, pois tinha muito do que minha companheira e eu gostaríamos de viver. Demoramos aproximadamente um ano e pouco para definirmos nosso planejamento e embarcar rumo a Oceania. O processo de escolha e nossa experiência, contamos no guia de viagem Intercâmbio Pra Dois NZ, que escrevemos logo depois da volta ao Brasil. Para saber mais é só clicar aqui.

O ponto principal que apresento é o fato de que passar um tempo fora é transformador. Ainda mais num país com situação de vida mais favorável do que o de origem. A experiência pode fazer você expandir tanto o pensamento que não vai caber mais naquela cabeça que você tinha antes de sair do Brasil. E quando você volta com a cabeça “deste tamanho”, com o pensamento largo e widescreen, com o programa mental atualizado, seu novo eu pode não ter mais lugar onde se encaixar. É como se você fosse um equipamento com a tomada diferente, mais avançada, e em qualquer lugar que você chegue para carregar não tenha entrada... e tudo começa a se tornar incompatível. A família, as amizades, o relacionamento com as pessoas, o sistema de governo, os processos de compra e venda, a noção de valores, o senso de segurança, o transporte, enfim. De repente você se vê um estranho em um meio onde você conhecia e já não se reconhece mais.

Vivi assim, tentando ser alguém que tinha esperança de dias melhores com a resignação daqueles que vivem submetidos ao sistema, a matrix ou seja lá o que você chame. Você procura se encaixar neste cenário de descaso e morosidade da cultura brasileira e vive insatisfeito com quase tudo: com o jeito que se trabalha, com a poluição, com a falta de educação, com a competição de egos, com a cultura do materialismo. Em resumo, você, pelo fato de tentar se acostumar a viver de um modo que não corresponde a verdade do seu coração, acaba definhando ou procura uma saída fora de onde está. Geralmente em outro país. E quando você volta, a vida digna que viveu lá fora está dentro, porém sem onde se conectar. Você vai precisar de um adaptador.

Quando o condicionamento é sentido na pele

No Brasil, eu tinha um trabalho legal, casei tudo nos moldes tradicionais, inclusive na igreja, possuía nome na praça, pagava as contas em dia, trocava de carro, tinha minha reputação profissional recomendada, era o menino de ouro do papai e da mamãe kkk. Perdão, mas não tem como não expressar hoje o tanto que soa engraçadas essas coisas. Eu tinha tudo para ser um cara bem sucedido e perfeitamente encaixado na sociedade. Mas no fundo, era tudo uma grande mentira. Assim como a maior parte das pessoas. Sim, exceto alguns rebeldes com causa que conseguem ser eles mesmos, muita gente está vivendo uma vida de mentira onde sustentam falsas imagens de quem elas são para não ter que: terminarem um relacionamento; serem vistas como escrotas, excêntricas ou loucas; exporem suas verdadeiras personalidades; demostrarem seus gostos mais estranhos; expressarem suas vontades mais genuínas; ter que falar tudo o que sentem; mostrarem suas vulnerabilidades e fraquezas; entre outras coisas. A lista é enorme.

Você pode até não ter consciência, mas desde quando nascemos estamos sendo moldados para nos tornar cidadãos exemplares e de acordo com a sociedade. Não de acordo com o que verdadeiramente somos. E se você cumpriu todos os requisitos desde a tenra infância, é provável que passou ou está passando por momentos ruins. Momentos de questionamentos, momentos de incertezas e de vazio interior. Você pode estar sentindo que nem sabe mais o que quer, o que te dá prazer, ou que te motiva. 

A busca por motivação, propósito e sentido na vida é que provocou esta moda de largar tudo e viajar. As pessoas, insatisfeitas com suas vidas, partiram em busca de autoconhecimento e descobriram uma alternativa que as levassem a encontrar propósito de vida, motivação, sentido. Todos nós sabemos que uma viagem nos deixa mais em paz e renovam nossas energias. E sabe por quê? Porque, simplesmente, você fica longe de tudo o que te condiciona. É simples! Longe do que te condiciona, você pode ser você mesmo. E sendo você mesmo você vive a liberdade, o sentimento que te conecta a felicidade genuína e ao Universo. 

Longe do que te condiciona, você não precisa ter a pressão fabricada de ter que mostrar resultados, ter que ser bem sucedido, ter que ter qualquer coisa. É neste momento de sossego que você começa a ser um pouco mais quem você é. E é aí que está a grande sacada. Olha só. 

Compreendendo a Síndrome do Regresso 

Fui viver na Nova Zelândia, um país onde tudo funciona, as pessoas são simpáticas, os carros são baratos, a segurança é total de dia e de noite, é um lugar onde os preconceitos são ínfimos em todas as suas categorias, o poder de compra é suficiente para ter uma vida tranqüila a vida inteira em qualquer profissão, a educação é extremamente acessível, entre outras coisas. Logo de cara me senti em casa, mas de um jeito que nunca havia sentido antes em toda minha vida. Lá eu não tinha que me preocupar com segurança, infraestrutura, transporte, competição, pessoas que querem te derrubar, fofocas, preocupar em ter dinheiro para comprar as coisas, desonestidade, preocupar em ser passado para trás, em levar golpes, com o desrespeito etecetera. Praticamente, todas as preocupações do cotidiano foram anuladas. Já imaginou vivem em um lugar assim? 

Se você não vive a vida com estas preocupações baseadas na escassez o que lhe resta é criar coisas, ser livre, expressar o seu ser em benefício de outros, em nome do bem de todos. Quando você está bem, automaticamente você vai querer fazer o bem pro outro, do contrário você vai estar lutando para ficar bem, pois há sempre o que se preocupar. Como conseqüência o outro fica em segundo lugar, ou seja, querendo ou não você gera competição. 

Anos no Brasil aprendendo a sobreviver na escassez e na competição foram aniquilados em muito pouco tempo de vida na Nova Zelândia. Eu desaprendi a sofreviver e aprendi finalmente o que é viver. Durante a vida lá fora minha consciência se expandiu mais ainda. Quando você faz um traslado entre pontos tão distantes a sua mente cresce porque você presencia fisicamente o tamanho do mundo. Aquilo que estava nos mapas de geografia se torna real porque você experienciou. Desta forma, todas as outras coisas novas provocam novas sinapses em seu cérebro, expandindo ainda mais sua forma de pensar e ver a vida. Agora, junte tudo isso ao fato de não estar mais condicionado. 

Um intercâmbio internacional deveria ser obrigatório no currículo escolar, na faculdade, na vida. Conhecer pessoas de países diferentes faz com que você se sinta ainda mais autêntico porque percebe que o mundo não gira apenas ao redor da realidade de um país ou povoado; muito menos de si mesmo. Estudar outra língua expande a sua capacidade de comunicação e noção de culturas diferentes da sua. Foram tantas novas sinapses ao mesmo tempo que transformaram meu cérebro de uma forma que eu nem poderia imaginar. Se você assim como eu, tinha um agravante de se sentir desconectado do lugar onde vivia antes, a situação é ainda mais forte.

A singela comparação abaixo é apenas para demonstrar o quando certos paradigmas nos impedem de ser um país melhor. O Brasil possui potenciais maravilhosos, embora desvalorizados pela descrença da maioria dos brasileiros. Alguns aspectos ficaram bem claros durante nossa experiência lá fora. Vejamos a tabela a seguir. 


NOVA ZELÂNDIA

BRASIL 

· Segurança 24 horas dia e noite
· Viver em estado de alerta todo o tempo
· População com senso de comunidade
· Pessoas retraídas e egocentrismo
· Sem culto ao materialismo 
· Materialismo por escassez
· Sem preconceito racial, sexual etc
· Preconceitos disfarçados
· Honestidade nas negociações 
· Desonestidade cultural, "o jeitinho"
· A igualdade entre as pessoas 
· Meritocracia egoísta 


Agora, imagina se o Brasil tivesse essas características da Nova Zelândia. Como seria viver aqui? Pois, então. Depois de um tempo vivendo desta forma tão libertadora, você se transforma em alguém diferente. É como se acontecesse uma limpeza no seu modo de viver. E se você volta a viver sob condições adversas novamente, a situação não é nada agradável. O choque é grande. Se readaptar dessa forma, para pior, é depressivo porque o obriga a aceitar de novo as coisas que para você haviam se tornado obsoletas. É o mesmo que fizessem você optar por trocar seu smartphone por um celular com lanterninha daqueles antigos.

É difícil regressar. E esse regresso não é apenas de volta, é de retrocesso, de volta ao passado. Ir para um local viver de forma mais avançada e ter que voltar nos causa um baque. Mas porquê esse baque, pergunto. Se a gente não gosta de onde vivemos temos nossos motivos. Reflita por um instante. Quais são as suas razões? Poderiam ser esses fatos que mencionei antes? Se sim, então a questão não é o local geográfico, mas sim as condições em que vivemos em cada lugar. Se o Brasil tivesse as mesmas condições e coisas boas da NZ, você viveria aqui ou lá? Provavelmente aqui, não é mesmo? Isso sem falar sobre o lado ruim que todos os países possuem também. Agora imagine-se aqui no Brasil com tudo de bom, mais a família, os amigos e sua história perto de você. Imagina, com todas essas qualidades de primeiro mundo em nossa sociedade! 

O problema não é viver aqui ou acolá. O desafio são as condições de vida. A síndrome do regresso veio para te mostrar que talvez você tenha capacidades muito maiores do que apenas viver e usufruir de boas condições de vida. Regressar é voltar para resgatar algo que foi perdido. Me lamentei muito por ter que voltar e depois compreendi o porquê da volta. Precisava vivenciar tudo que vivi para poder não só usufruir, mas principalmente criar tais condições em meu local de origem: nosso amado Brasil. Tantas coisas inspiram na Nova Zelândia e vejo que aqui não temos a noção da abundância que também nos permeia. Tenho certeza de que a experiência de quem viaja e retorna desse jeito, está muito mais além do viver bem a própria vida. E se fosse possível você criar estas condições que sente saudade além de você, para os seus, para sua família, para os outros, e no Brasil? 

Tá, mas e agora então, o que fazer? 

Desde que me entendo por gente nunca entendi certas coisas como essas que mencionei acima sobre igualdade, materialismo, escassez, racismo. Como podemos ser tão ignorantes com estas histórias de preconceitos num país tão plural?! Por isso, sempre me senti um peixe fora d’água e assim cresci detestando várias coisas aqui no Brasil, tentando ser feliz na base da luta e do impedimento de conflitos. Toda a liberdade que sempre quis encontrei na NZ. Você deve ter encontrado tal liberdade assim onde viajou, se está lendo sobre síndrome do regresso agora. Ou não. Talvez ainda nem tenha viajado além desses mares tropicais. Melhor ainda, porque já fica sabendo o que pode encontrar lá fora, e que vai passar a encontrar aí dentro se for o caso. Tá, mas e agora então, o que fazer? 

Não sei o que você pode fazer, sério. O que sei é que síndrome de regresso consome bastante nossa energia que poderia estar sendo usada para gerar mais felicidade e saúde para nós e para os outros. Sei também o quanto é doloroso. Mesmo após dois anos é complicado “reacostumar” aos velhos padrões. Conheço gente passou de três, quatro anos e ainda não se acostumou. Outros que acabaram voltando para onde foram. Apesar de tudo, acredito que essa minha história pode te dar um fôlego a mais ou ascender alguma luz. E tenho algumas dicas para que você possa fazer um suco com esses limões. 

Primeiro, saiba que se você regressou tem algo melhor para fazer por aqui. Wallace D. Waters diz o seguinte: “Se algo não deu certo é porque algo melhor está a caminho, destinado a você.” 

Segundo, entenda os motivos que o Brasil é do jeito que é. Esse país que leva um mantra de que “não tem jeito” é apenas um país aluno. Temos muito ainda para aprender. Inverti a polaridade do “Brasil não tem jeito” na minha cabeça e assim estou procurando novas alternativas para mudar. Fui ser feliz mas voltei... pra levar mais gente! Estes países muito desenvolvidos tiveram guerras amargas que criaram um senso de união entre seus povos, e que assim puderam construir um lugar digno para viver. A abundância de recursos que temos aqui talvez nos deixaram mal acostumados ao ponto de não darmos o justo valor em cada coisa que esta terra nos fornece: clima, alimentos, minerais, riquezas, belezas naturais e muito mais. Entendemos errado a miscigenação, embora sejamos o país mais multirracial da Mãe Terra. 

E finalmente, concentre-se sua atenção na positividade e no autoconhecimento. Afinal, todos os recursos que você utilizou, todo o sonho que você planejou, toda sua força de vontade usada para atingir seus objetivos, foram grandes investimentos que você fez para se conhecer e trazer sua melhor versão à tona. Se você se olhar um pouco à distância de si mesmo vai perceber que hoje você é um ser muito melhor e mais interessante do que antes. Você é muito mais legal que antes! Tenho certeza disso. 

Amor incondicional. Gratidão. União.
Rica Matsu 

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