Certa vez uma amiga que admiro muito me disse: "Poxa, você sabe mesmo como tocar nas feridas hein!". Achei massa demais! Longe de ser pela dor, mas pela cura. Porque percebi que eu consigo mesmo tocar as pessoas, embora às vezes pareça um pouco rude com minhas palavras. Tocar em nossas feridas dói. Fato! Penso que é necessário tocá-las. Uma ferida é um bicho feio que evitamos ver. Tocá-lo então, nem pensar! Você tocaria em um monstro bem feioso? Estes bichos feios são nossos. São resultados de nossas feridas. Eles estão esperando serem vistos e tocados. A quarentena está nos obrigando a olhá-los mais de perto. Por mais que agora precisamos tomar cuidados com a higiene, precisamos também tirar os curativos para ver se estamos abafando as feridas ou se estamos as deixando cicatrizar. Tempo de isolamento é também tempo de abertura. Abertura para cura.

A ferida está aberta para ser vista e curada. Elas estão abertas para isso. Não é isso que todos buscamos, a cura? Bom, eu busco as minhas. E não há nada de errado com quem não querer se curar. Cada um sabe a hora certa de expor o ferimento; mesmo que o destino das feridas seja a própria cura em si mesma. É como a verdade que dói. Não será a verdade a exposição de algo que precisa ser curado? Assumir que precisamos nos curar de alguma coisa é talvez 90% da cura. O que é bem difícil numa sociedade onde as pessoas ainda vivem o paradigma do homem que não chora e da mulher eternamente resiliente. Que belo casal hein! Vamos mudar isso, já deu.

Perdão se minhas palavras possam causar algum desconforto inicial. Infelizmente, elas ainda não são como aquele merthiolate que não arde. Agora, tenha em mente que as palavras curam, principalmente as que geram mais incômodo. Não poderei tornar minha escrita suave demais para deixar tudo mais confortável. Você sabe onde tudo isso vai dar caso esteja confortável demais, tudo adequado demais. Você é um SER ÚNICO, pombas! A sua autenticidade está gritando diante da sua adequação a tudo nessa vida. Diante de tudo que você aguentou até agora. Quantas vezes vou ter que repetir isso! rs

Olha no espelho agora e reconheça o tanto de coisas legais que você carrega dentro de si. Coisas que o mundo precisa saber, coisas que independem de estar sob aprovação da sociedade. São coisas que a existência está aguardando para que ela tome forma, para que ela cresça. É isso mesmo! Imagina um quebra-cabeça faltando uma peça... É a existência sem você do jeito que você é. Não importa o que tens feito, o que já fez ou o que fará. Ela apenas precisa de você aqui e agora. Não é um bom motivo para ser feliz? Assim é, eu sinto.

Quando as pessoas falam em ligar o f*da-se, não penso que seja algum tipo de revolta. É só um reconhecimento do nosso eu autêntico que descobriu que é parte de algo maior. Gosto muito de fazer essa analogia do quebra-cabeça, pois não há jeito de concorrer um com o outro. Cada peça é única e feita para o encaixe na grande obra. E pronto! Sob essa ótica, não há possibilidade de comparação entre cada um de nós. És um ser autêntico e você precisa expressar quem você realmente é sem pudores, para que o alívio chegue e se instale. Melhor, para que essa obra de arte, da qual chamamos de Vida, cresça. Todos os problemas dos quais estamos lutando é o reflexo da nossa não expressão, vontades não cumpridas e todo aquele meu papo de ser obrigado a se adequar a situações das quais não nos encaixamos.

A questão é que quando eu expus minhas piores vivências alguns anos atrás, como a depressão por exemplo, cheguei no caminho da cura como quem estava numa estrada de chão e conseguiu encontrar a rodovia privatizada. Ufas! Mas até lá tive que caminhar sangrando e deixando rastros nada confortáveis. Principalmente, por ter aquele medo sobre o que as pessoas iriam pensar e o que minhas vulnerabilidades iriam impactar na vida social, no trabalho, ou na família. Aliás, este é um ponto muito importante quando se trata de vulnerabilidades. Nossas famílias, quando disfuncionais, guardam segredos, competições ocultas e emaranhamentos complexos. A família é uma entidade que, aos olhos da sociedade, não permite ser vulnerável. Pois a crença de que é nosso porto seguro, faz com que todos os membros procurem esconder os buracos do casco do navio.

Campos familiares com problemas interferem muito sobre nossas feridas. Não penso que eles são a principal razão de nossos maiores desafios. Isso me parece uma visão dramática e vitimista. Prefiro pensar que nós somos os maiores responsáveis por superar nossas piores feridas. Não importa quem ou o que achamos que foi o responsável. A ferida vai estar em nós, em algum de nossos corpos e por isso de inteira responsabilidade nossa. Quando mais a escondemos, mais ela vive. Ficamos ali vigiando para que talvez ninguém saiba das nossas fragilidades, ou na espera que ela suma como por milagre. Isso pode até acontecer, mas é necessária uma fé inabalável para criar tal milagre. E caso tivesse esta fé nem precisaria pensar sobre isso. Tudo estaria resolvido.

Falei sobre depressão, mas pode ser qualquer outra dor aguda, ansiedade, trauma de infância, inadequação ou falta de reconhecimento, abandono, e qualquer outro tipo de questão de saúde física, mental, emocional e até mesmo espiritual. Quando você começa a investigar a sua vida, engajar na cura de suas feridas e tomar o caminho do autoconhecimento em alguma área específica, todas as outras áreas começarão a ser resolvidas também. Agora, se prepare! Pode haver feridas ocultas nas outras áreas e você vai ter que lidar com elas. Que beleza! kkk É meu irmão, minha irmã. Não vai ser fácil. E aqui vai aquele velho axioma: "Depois da tempestade vem a bonança." No meio das nossas tempestades pode parecer difícil pensar assim, mas a lógica é muito simples: se você está vivo é porque consegue resolver. Simples assim. De outro modo nem estaríamos aqui.

O áspero de uma lixa é que dá o acabamento primoroso. A esfoliação é que renova a pele. É preciso um pouco de aspereza em certas texturas para que a gente não caia no chão. Como aquele adesivo poroso que colocam nos degraus de algumas escadas pra que a gente não escorregue e caia. Aliás, eu me lembro de uma vez quando caí de moto e o enfermeiro teve que raspar minhas feridas com uma gaze, sem qualquer anestesia. Só assim poderia remover a sujeira de asfalto dos ferimentos para poder fazer os curativos (ardeu aí? kkk).

Coloco muita luz nas minhas palavras. Mas como você as poderia enxergar sem o relevo que as sombras projetam para definir suas formas e chamar atenção? Me dedico a escrever porque a escrita me curou. A escrita cura. As palavras curam. E por mais dureza que possa haver em algumas palavras, elas podem ser a maneira mais confortável de nos conduzir ao fechamento de feridas, à cura que você precisa, ao alívio que necessitas. Aprendi a não esperar a cura e também a não buscar a cura. Aprendi a encontrar a cura. Aprendi a ir de encontro a cura. Deveria ser proibido usar o termo "buscar a cura". Sei lá, dá a impressão que cura é alguma coisa que está fugindo de nós. Todas as curas já existem. Nós é que devemos encontrá-las.

Como olhar para seus monstros internos e curar suas feridas? Escreva como são esses monstros numa folha de papel, escreva quais são suas feridas. Guarde pra você ou publique tudo isso. Quanto maior a exposição, maior a incidência da luz. E a luz é o guia no seu caminho de encontro com a cura. Quando escrevemos o que nos incomoda, de certa forma colocamos o incômodo para fora. Nos separamos do que nos perturba. Conseguimos olhar de fora. E assim, aquilo começa a não fazer mais parte de nós. Então, surge uma oportunidade de dar lhes um fim. Quando você estiver lá na frente, depois de tudo ter passado, você vai agradecer por ter passado tudo. Porque foi esse tudo que o levou a melhor, maior e mais feliz versão de si mesmo. Nada é tão bom quanto receber o abraço amoroso da existência!

Cresço com você.

Com amor,
Rica Saturno



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