Faz tempo que venceu a validade daquela piadinha sobre o pobre beber cidra em copo de requeijão. Ainda assim, muitas pessoas pensam nisso quando se fala em minimalismo. É como dizia um personagem de um programa de humor na tv: “Isso é coisa de pobre”. Ter inúmeros bens de consumo é ainda o conceito de felicidade para as classes sociais das colunas sensacionalistas. Infelizmente, para grande maioria de emergentes e da nova classe média também. O desafio de quem se propõe a ser minimalista é quebrar esse paradigma, diante de tantos gadgets instalados em nossos valores.

Fomos criados para acumular coisas. Raros são os pais que incentivaram seus filhos a ser antes do ter. Desde a lancheira da moda em nossa infância até os smartphones mais atuais, cheios de aplicativos “essenciais” à sobrevivência. Ficamos mal acostumados e insatisfeitos com o que temos. Nunca é suficiente. Se não temos o que é da moda isto é sinônimo de pobreza, inadequação e obsolescência aos olhos da sociedade.

O Mr. Consumo

Imagine o cenário. Depois de trabalhar duro como coringa de sua empresa (aquele cara que faz tudo e por isso nunca é promovido) Mr. Consumo comprou seu primeiro carro popular 1.0 Flex Power! Agora ele está inserido na classe emergente. Inserido no engarrafamento diário e nas conversas de seus colegas de sobre as infindáveis prestações do financiamento. Ainda por cima, se sente o esperto ao conseguir baixar o valor de sua parcela através de um advogado simpático que ofereceu o serviço. Nossa, é realmente um alívio, não? Nem liga em gastar dois mil reais em rodas e pneus. Ele tem cartão de crédito de quase todas as bandeiras. Mr. Consumo é foda!

Depois de três anos de repartição, Mr. Consumo foi promovido e tirou férias pela primeira vez. Muito esperto de sua parte guardar o 13º salário, juntar com as férias e trocar de carro. Agora ele tem um sedan completíssimo. Encantou-se após ver o Faustão dizer que era uma pechincha. Agora ele pode dizer de boca cheia: “Pego engarrafamento, mas de ar-condicionado!” Mr. Consumo é foda!

A história do Mr. Consumo não para por aqui. Ele é um dos caras mais experientes em matéria de tecnologia. Já teve todas as versões possíveis de celulares. Troca de notebook a cada seis meses. Faz coleção de câmeras digitais, embora nunca tenha comprado um filme fotográfico na vida (sim, ele tem inclusive uma Tekpix). Mr. Consumo também anda sempre com aquelas camisas caras que tem uma gaivota no peito, apesar de não saber diferenciar um pardal de um gavião.

Mr. Consumo tem tantas histórias de suas tantas coisas que seria preciso escrever um livro no lugar desse artigo. Para resumir, é um cara tão bem sucedido que hoje tem uma caminhonete cabine dupla do ano! Só acha ruim quando precisa estacionar a cada lugar que vai. Ela ocupa muito espaço, como um ônibus por exemplo. Porém, só com uma pessoa dentro: ele mesmo.

Enquanto isso, Mr. Simples, seu primo distante considerado louco na família, só tem bicicleta e poucas peças de roupas. Já deu meia volta ao mundo e aprendeu três línguas. Têm em comum a mesma idade e uma grande quantidade de histórias. A diferença é que as de Mr. Consumo ninguém quer mais saber.

Depois dessa quase biografia, voltamos ao contexto. Mr. Consumo ocupa, realmente, muito espaço.



É claro que todo mundo quer tomar champagne em taças apropriadas e elegantes. Quem não quer? A arte e o design estão aí para isso. Viver rodeado de coisas bonitas e fluídas nos traz bem-estar e mantém nosso sentimento de admiração. Isso é muito importante, faz surgir sensação de felicidade. Aí vem a questão: até quando ou quanto isso é considerado supérfulo? Há pessoas que se sentem mais felizes na medida em que compram mais e mais. Outras sentem a mesma felicidade ao acumular recordações, memórias e aprendizados.

Você pode comprar um carro novo e ficar muito feliz. Ao ser lançado outro mais atual percebe que a felicidade diminui na mesma proporção em que o desejo de atualizar-se aumenta. Eletrônicos, cosméticos, roupas, comportamentos e até amores! Tudo parece haver uma necessidade de troca para não ficar por baixo. Na infância dos anos oitenta, não ter uma mochila da Company era quase um Apartheid. O mesmo acontece hoje em grande escala, e com o agravante do bullying. Mesmo as gerações mais antigas parecem estar contaminadas com o vírus do consumo. Qual o valor das coisas? Pode-se comparar com o valor das coisas intangíveis?

O estilo minimalista de ser tem o objetivo de resgatar mais tempo de vida, em substituição a devoção às coisas materiais sem propósito. Antes da quantidade vem a qualidade. E o material é essencial para desfrutar de uma vida memorável. É preciso prestar muita atenção nessa palavra: “essencial”. Perdemos tempo demais ao administrar tantas bugigangas. A cultura do não-durável, do efêmero funcional parece cancerígena.


Sintomas constatados

Futilidade dos relacionamentos - olho no olho somente se o smartphone estiver pregado na testa da pessoa. Uma festa de aniversário gera mais fotos de bolo e bebidas do que do próprio aniversariante.

O Apartheid da moda - grupos sociais agora são segmentados pelas grifes que além de tudo alimentam um mercado pirata de seus produtos, ou seja, o modo Horse poop bandit de ser.

Síndrome do Ego de Steve Jobs - tecnologia em detrimento das verdadeiras relações. Ser gênio é criar tecnologia para distanciar pessoas que estão próximas, mesmo tendo em comum o próprio sangue nas veias. Como assim, não era para ser ao contrário?

Ansiedade generalizada - nunca se tomou tantos medicamentos para tratar desse mal quando nos dias de hoje. É a indústria farmacêutica no auge do estilo “pimenta nos olhos dos outros é refresco”. Antidepressivos já estão quase perdendo suas tarjas pretas.

Aí você pode estar perguntando onde entra esse tal de minimalismo em tudo isso. É simples. É a fórmula do menos é mais. Menos carros é mais espaço nas ruas, mais dinheiro no bolso, mais convívio social. Menos tranqueiras eletrônicas é mais saúde para o corpo, mais encontros pessoais, mais espaço para guardar coisas realmente importantes dentro de casa. Menos gastos com junk food é mais saúde. Mais momentos de nutrir a si e as pessoas com comida caseira. Menos preocupações com o ter é mais tempo de vida saudável sem necessidade de remédios, religiões capitalistas ou entorpecentes. Ou seja, menos vida artificial e mais vivências orgânicas.


Ao invés de vinho no cálice dourado, prefiro um cafezinho mesmo. Pode ser no copo de requeijão.
rica

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